Fragmentos
Os poentes da minha terra*
A Stefan Kujavski
( Stefan, não sei onde te achas atualmente.
Mas tenho a esperança de que possas ler
estes versos que fiz pensando no teu fino
espírito, que tanto aprecia tudo o que de
belo nos oferece a Natureza! )
Os poentes da minha terra
São belos,
Tão belos,
Mas tão belos
Como ninguém viu fora daqui.
Uns são roxos . . . outros amarelos . . .
Outros de bronze com pedrinhas de rubi . . .
E os cor de opala, então ?
Lembram a palheta de algum pintor flamengo
As nuanças leves de um pôr-de-sol assim.
E os de seda cor-de-rosa ?
E os poentes de verão ?
Às vezes o poente de verão
É todinho borrado de carmim.
Há os de nuvens frágeis, esgarçadas.
Tocadas de luz desfalecente.
E a essas nuvens leves,
E luz desfalecente,
A gente olha e pensa . . .
Fica pensando que o ocidente sonha
Sonhos de renda, de gaze e nostalgia,
Sonha saudades para magoar a gente.
Patéticos . . . Uma rima de saudade,
Um verso do poema – nostalgia . . .
Tonalidades de exótica poesia,
De poesia apenas pressentida
Através do tempo e através do espaço. . .
Patéticos. Legendários. Quase irreais . . .
Estes poentes às vezes são assim.
Neles canta, e numa voz que ninguém ouve,
Um noturno . . .
Canta inaudível a alma de Chopin.
Sentimentais . . . muito sentimentais,
Estes poentes às vezes são assim.
E às vezes . . ah! são exaltados !
De cariz violento. Rubros ! De tragédia !
Esbraseados . . .
São chamas ! . . .
Vede então – o ocaso pegou fogo !
Há um grande incêndio onde termina o céu.
E logo mais:
Feitos de chumbo, azinhavre e de zarcão,
Com faíscas medrosas de safira.
E nesses dias,
Que colorido onde entra o Sol!
Que cores fortes !
E do contraste agressivo dessas tintas,
Furiosas e terríveis,
O Sol se esquiva: o Sol vai fugindo,
O Sol se escapa como quem delira.
Poentes extravagantes !
Poentes indescritíveis !
Até parece que o céu enloqueceu.
Agora vede:
Negro e de sangue . . . de tragédia, um dia,
E outro dia,
Um pôr-de-sol suave e dolente,
Que a alma da gente veste de cisma,
E que veste de cisma a alma da gente.
Poentes extravagantes !
Poentes indescritíveis !
Sobre a magia desses coloridos
Expressou-se arrebatado certa vez
Um espírito vibrante de estesia.
Era sem saber que o era – um poeta.
Mas falou:
“Nesta terra é assim:
Quando termina o dia,
U’a mão invisível, misteriosa,
Pinta onde acaba o céu,
E com as tintas que quer,
Pinta tudo o que há de emocionante,
Na essência emocionante da poesia.”
Assim expressou-se embevecida, um dia,
Uma alma vibrante de estesia.
E o poente de hoje, não vistes ?
Foi imponente. Foi egrégio.
O rei dos astros quando foi-se embora.
Deixou no céu o lindo manto seu .
Era de púrpura, que eu sei,
Com franjas de ouro, e bordados de ouro,
Mesmo um manto de rei.
Portanto esse presente foi um presente régio.
Afinal Ponta Grossa pode usar,
Como usa, e muitas vezes usa,
Na hora crepuscular,
O ouro e as púrpuras das galas reais.
Porque – quem não sabe da sua nobreza ? –
Ela é princesa.
É soberana.
E os seus domínios ?
É toda a terra dos Campos Gerais.
E por isso ela tem a regalia
De usar a púrpura das galas reais.
Estes ocasos . . .
Cada um tem sua beleza peculiar, eu acho.
Os outros . . . não sei que pensam, nem o que dirão.
Mas para mim o pôr-do-sol mais sugestivo
E emotivo,
É o pôr-do-sol lilás.
Quando faz fundo para uma paisagem campesina,
É de tão grande beleza,
E de tristeza tal,
Que a impressão que causa, não há quem a defina,
Na lomba da coxilha há um pinheiro isolado,
Forte e dorido na sua solidão.
Altivo. Sobranceiro. Algo de audaz . . .
Esse pinheiro sobranceiro,
O vento embate-o. Ele resiste.
Luta com o elemento hostil, ele sozinho,
Deslembrado na verde imensidão
Do campo sem fim.
Na lomba da coxilha há um pinheiro isolado . . .
E por detrás,
Muito atrás
Da curva da coxilha,
O céu a agonizar em cor lilás.
Só lilás ?
Não. Bem pertinho do horizonte,
Há uns fiapinhos de nuvens enxofradas,
Cloróticas. Agoniadas.
Parecem doentes essas nuvens fininhas.
Isto bem pertinho do horizonte.
O mais é só amaranto. É só lilás.
É tarde. É o fim de um dia que não teve sol.
A gente olha isso tudo, e fica olhando.
Fica cismando em tanta coisa . . .
A dor da ausência fica doendo mais.
Um fim de tarde assim,
Como faz sentir !
Como faz pensar !
Faz pensar nas almas incompreendidas,
Esmagadas de incerteza e de pesar,
Essa árvore sozinha, tão sozinha !
E o céu a agonizar clorótico e lilás.
Mais uma nota triste, nesse quadro:
Lá longe há um aterro.
E nesse aterro,
Um cavalo sacoleja um cincerro.
A gente olha ainda:
O dia se desfaz
Doente e lilás
O campo é triste !
O pinheiro é triste !
[ O cincerro é triste ! ]
Meu Deus onde vai parar essa tristeza ?
E essa beleza ?
Ouvi ! Andam soluços soluçando no ar . . .
A gente olha, e tem vontade de chorar.
Minha terra tem cada poente !
É um dom que igual, nenhuma terra tem.
Muitas vezes ao findar do dia,
Na horinha em que vai baixando o Sol
Entre nuvens leves como véu,
É só ver:
Aperta o coração da gente, uma saudade !
Uma saudade diferente . . . não sei como,
Não é saudade de nada desta vida.
É coisa incompreendida
Talvez seja a nostalgia indefinida
Que a gente tem do céu.
Poentes da minha terra !
Quando longe de vós, para vós é a minha saudade. . .
Poentes da minha terra, que fazeis pensar !
Poentes da minha terra, que fazeis sonhar !
Poentes da minha terra, que fazeis chorar !
Ponta Grossa – Janeiro de 1936.
* Variantes registradas por Zan (1990): Verso 9, Lembra (1936); 10, O colorido de um pôr-de-sol assim. (1936); 15, esgarçados (1936); 16, Tocados (1936); 36, violenta (1936/1959); 38, são de chamas! . . . (1936); 82, Era um manto de rei. (1936); 118, Não. Bem pertinho do horizonte, estirados (1936); 144, O verso é omitido na edição de 1959. Além destas, acrescento a variação no verso 5, que na edição de 1936, era: Como nunca ninguém viu fora daqui.