Fragmentos
A CHEGADA DE DEBBIE
- Angy, Angy dear, volte, está começando a nevar.
Angy, que estava próxima ao final do caminho que circunda o prédio, ergue-se do velocípede, vira-o em sentido contrário o prédio, ergue-se do velocípede, vira-o em sentido contrário e o empurra correndo na direção de Ana. Quando a pequena a alcança, Ana percebe que ela chora convulsivamente. Confusa e penalizada com a reação de Angy, Ana se abaixa e a abraça.
- Angy, my dear, por que você está chorando?
- Angy não lhe responde.
- Angy, não chore mais, meu amor. Eu não queria assustá-la. Desculpe, meu anjo.
Angy, procurando evitar o olhar inquisitivo de Ana e esconder o seu embaraço, envolve-a com os bracinhos e lhe diz:
- Nany, I was just kidding.
- Ora, meu anjo. Você só estava brincando? Okey! Nós podemos continuar a brincar, mas primeiro temos que enxugar essas lágrimas.
- Ana afasta Angy e com o dedo indicador de sua mão direita percorre um dos caminhos das lágrimas no rostinho de Angy.
- Olhe, meu anjo, está vendo como a ponta do dedo da Nany está toda molhada? Como foi que molhei a ponta do dedo? Deixe-me ver. – Erguendo o seu olhar numa expressão de indagação a uma entidade superior, Ana pondera:
- Bem, não está chovendo. Não brinquei com água. Não pus meu dedo nesta neve úmida e fria. Eu não isto, não aquilo. – Angy começa a se divertir com a brincadeira.
Numa expressão estereotipada de ator de terceira, Ana indaga novamente:
- Como foi que molhei a ponta do dedo?
- Aqui, aqui!
- No rostinho de Angy? Não, não pode ser.
- É, sim, aqui!
- Ah!
A expressão de Angy abre-se num sorriso.
- Vê? O rosto da Nany? Está molhado como o seu. A Nany está chorando?
- Não! Grita-lhe excitada a pequena Angy, saboreando a ideia de que fizera uma travessura.
- Ele está molhado, não está? Quem o molhou? Tenho a impressão de que foi uma senhorita muito sapeca.
- Foi, foi, foi.
Ana abraça novamente a pequena e a brincadeira é esquecida.
- Pois bem, sugiro à minha querida princesa que me acompanhe até a entrada do castelo porque uma tormenta se aproxima. Além disso, temos que nos preparar para recebermos a rainha, que logo chegará de sua visita a terras longínquas. A princesa me permitiria carrega-la nos braços?
Ana levanta-se e Angy, ainda com o rostinho úmido pelas lágrimas, salta e bate palmas. Ana e ergue, fazendo-lhe todas as deferências à releza, apanha o velocípede e dirige-se para porta de entrada do prédio de apartamentos.
Quantas vezes Ana já havia percebido o rosto da pequena Angy transformar-se ao contemplar os flocos brancos a cobrirem aos poucos o seu pequeno mundo. Encostada na porta de vidro da sacada, Angy, aos poucos, deixava de existir no calor da sala e se perdia num mundo frio, um mundo de infindáveis neves brancas, sem limites, sem fronteiras. Aos poucos, Angy começava a enregelar-se ... A neve que cai cobre o resto da grama queimada das pequenas elevações. A neve começa a pesar sobre a coberta impermeável da piscina mais próxima do prédio onde moram.
O complexo de apartamentos abrange oito ou nove prédios, todos com quatro andares. Entre os prédios, todos com quatro andares. Entre os prédios, três belas piscinas cercadas por grades de ferro e portões que permanecem abertos. Desde sua chegada, seis meses atrás, Ana nunca passara por ali sem ver a imagem da pequena Angy, de costas, sentada na borda da parte funda da piscina. Seus cabelinhos castanho-dourados esvoaçando já lhe alcançavam os ombros. A blusinha vermelha de então resplandecia como uma pequena labareda sobre a neve branca de agora. A memória traía a realidade.
A excitação de Debbie em relação à mudança de Ana para o apartamento e à ideia de que ela e sua filhinha Angy não mais estariam a sós, impediu-a de notar que Ana, em sua última ida ao carro para trazer o resto de seus pertences, não percebera que Angy a seguira. Segura de que a filhinha estava com a amiga, em quem deposita total confiança, Debbie ergue algumas sacolas e malas que Ana deixara à porta do apartamento para levá-las ao quarto que reservara à nova moradora. Ana demorar-se-á mais desta vez porque deve estacionar o carro na parte de trás do prédio, retirar todas as miudezas que ainda restavam e ir até o apartamento do síndico, que fica em outro prédio, para pegar a chave extra que este lhe oferecera. A alegria da chegada. A alegria de ter um adulto com quem pudesse compartilhar sua vida e sua gravidez difíceis. Todos os móveis de seu apartamento são simples. E poucos, só os necessários. Desde que se separara de Eric tentara viver e manter Angy somente com seu salário de “graduate assistant” e algumas economias que lhe restavam da venda da casa de seus pais que morreram no tornedó de Topeka, em 1966.
(Retirado da obra Noves fora, três, 1983)