Fragmentos
COMODISMO
A moça comenta com as amigas sobre o namorado bem mais velho:
- “ Tadinho, ele bem que se esforçava, mas ficava aquela coisa meia-boca, entende? Cardíaco, não devia forçar:
- E daí?
- Não quis procurar médico, o casamento foi minguando. Ele se separou e ficou comigo.
- E como vocês se ajeitam?
- Ele toma Viagra. Tem dias que até dois de uma vez. Eu faço de conta que não sei de nada.
- Cardíaco? Vai morrer, numa dessas!
- Problema dele. Não sou eu quem vai enterrar.
SILÊNCIO
No medo de expor-se inseguro, o homem se cala.
O silêncio do homem é chicote na alma da mulher.
Mesmo sem dever nada, sente-se culpada.
Quanto mais calado o homem, mais dá razões para levar chifre.
Depois dizem que o silêncio é virtude.
MADRASTA
Casou-se com o viúvo e prometeu cuidar do casal de enteados.
O menino, sete anos, gosta de jogar bola. Chega meia hora atrasado, porta trancada. Ele bate, chora, pede para entrar. E adormece sobre os degraus do cimento. Manhã curitibana gelada, anos cinquenta. Ela só reabre a porta às sete.
Antes de nascer o meio-irmão, o menino foge de casa. A irmã o segue porque não suporta mais ser acordada com cascudos, todos os dias.
A madrasta, no fim da vida, rosário e Bíblia na mão, três vezes ao dia.
SEXO
Ela pede a separação porque ele não a toca como homem há anos. Numa última argumentação falida, ele retruca:
- Credo, não pensei que você gostava tanto de sexo!
Num sorriso enigmático, ela responde:
- Não, com você, decididamente não...
(Retirado da obra Mulheres que falam demais e homens que falam de menos, 2002).