Fragmentos
Conto: Meu Camafeu
Aquele camafeu de neve, com um rostinho romano em perfil,muito vivo, a sorrir de leve no seu relevo de Jaspe – era uma velha jóia fidalga que me fazia pensar.
Pertencera... A quem pertencera o camafeu r o m a n o, com o seu delicioso perfil de moça, pelo qual os dedos dos séculos passaram tão branda,ente que era como novo, de hoje, sahido agora das mãos do artista e quente ainda da sua inspiração? Sabe Deus quantas donas ele teve, antes de ser meu!
Uma marquezinha do século 17, decerto. . . Fútil, doce, ignorante, linda como eram as marquezinhas.
Depois . . . Uma dureza solene do século 18. Dura, séria, pensativa, como eram as duquesas. . .
Afinal, uma dama nobre a quem a Revolução matou.
Uma fidalga emigrada que levou no peito, como se carregasse um filho, agarrando-o bem junto de si, o camafeu amável, para os climas tristes do exílio.
Depois . . . depois. . . Uma senhora orgulhosa da Restauração, uma burguesa rica do segundo Império, uma pessoinha vaidosa e elegante do tempo de minha avó, e ...
Como esse camafeu tão alvo, que resistiu assim ao tempo,frágil e eterno como o sentimento humano, transitou humilhado pela loja de um leiloeiro, figurou numa vitrina de ourives, veio enfim, como um amigo que a gente encontra ao acaso, e se alia para sempre à nossa vida, para o meu escrínio de antiguidades?
A historia do camafeu...
As saudades que ele tem, as emoções que ele guarda, os segredos que ele testemunhou – o meu mysterioso camafeu de jaspe!
Si ele falasse, diria. . .
Mas ele não fala. A sua carinha romana é uma esculpturinha branca da morte.
A sua frieza de pedra, a sua alvura de tumulo, a sua beleza de gemma, não compreendem a vida...
E como é bom que não compreendam ! A ouvir as dolosas historias que o meu camafeu me contaria eu prefiro o seu silencio, piedoso como o esquecimento e profundo como o tempo.
Si ele falasse...