Fragmentos

A paixão e a despaixão

 

No começo, aquela loucura. Ele, dezessete, ela quinze: Eu te amo! Quero viver dia e noite com você.

O pai arrisca:

- São muito novos! É cedo demais!

- Cedo? E Romeu e Julieta? Não foi assim?

- Foi. Mas naquele tempo os Capuletto e os Montecchio podiam sustentar um casal e até os filhos deles.

- Mas nós estamos a-pai-xo-na-dos! É o amor!

- E daí? Quando vier o aluguel e o condomínio? E mais o supermercado? E todas as outras despesas?

- A gente se acostuma. Nós queremos é viver juntos, com casamento ou sem.

- São duas crianças, vão se arrepender.

E os beijos? Um parecia engolir o outro. Nos filmes antigos de muitas décadas atrás, um beijo só podia durar segundos. O beijo, beijim, beijim é como ferro elétrico: liga em cima, esquenta em baixo.

É como a música de velhos carnavais que vovô cantava:

É o bolin, bolacho

Bole em cima e bole em baixo.

- Querida, eu só vou, se você for também.

Logo acontece o inesperado, ou melhor, o esperado.

- Amor! Tenho uma linda notícia para você! “Um barato!”

- Qual é, paixão?

- Vamos ter um bebê!

- Nossa! Não é muito cedo?

- Que nada! A galera vai adorar!

E a mãe:

- Ah, filhinha, que coisa linda! Só que eu não queria ainda ser avó. Sou muito nova.

- Vamos morar com os meus pais.

- Não dá certo.

- Vamos morar sozinhos. Nem que seja numa casa de fundos.

- Tudo bem, amor. Mas quero duas camas. Este negócio de dormir junto, já era.

- Mas só ganhamos lençóis de casal. E cobertores também.

- Dá-se um jeito.

Semanas depois.

- Como? Você está dizendo que não sabe cozinhar?

- Sei, mas não gosto. Mulher que trabalha fora como marido não tem obrigação de cozinhar.

- Assim não dá. Comer fora sai muito caro.

- E você, por acaso, sabe consertar o carro usado que papai nos deu? Meu pai sabe. E agora só é dinheiro para oficina.

- Feche essa boca, sua burrinha. Não tenho obrigação de ser mecânico. Já trabalho feito uma besta, lá no computador.

- Ah, é? Eu também trabalho num computador do escritório, viu? Com patrão reclamando, com pressa e dor nas costas.

As brigas não param. Os beijos rápidos, beijos de marido desligado, que não está nem aí. Os abraços rareiam e encurtam.

- Ai que enjôo! Nem o café pára no estômago! Vou para o banheiro correndo!

- Vê se não deixa cheiro de vômito lá! Tenho horror disso!

- Você pensa que eu gosto de me sentir mal assim? Toda manhã a mesma coisa. E você, tudo bem. Toma seu café com leite, torradinhas e geléia. E lê seu jornal, bem tranqüilo.

- Isso logo vai desaparecer, toda mulher passa por essas coisas!

- É. Pimenta no olho do outro é refresco! E agora, a cintura engrossando, a roupa não serve mais. Tenho que comprar outras. Ah, meu Deus! E ainda faltam tantos dias, semanas, meses!

- Deixe de reclamar! Minha mãe teve seis filhos e nunca reclamou.

- Isso era naquele tempo! Seis! Deus me livre. E eu estou com dor nos rins, no nervo ciático e manchas escuras na pele. Preciso ir ao médico.

- Não há dinheiro para coisas supérfluas.

- Supérfluas? Mas para seu chope você tem dinheiro, não é?

- Isso é outra coisa. Que gênio ruim você tem. Cada vez fica mais difícil a gente viver junto. Vou para a rua!

- Espere aí! Pensa que para mim não é difícil? Onde está o companheiro gentil dos primeiros meses? “Vem amor, vem paixão, te adoro”. Agora me manda calar a boca. E falta o enxoval do bebê. Preciso de dinheiro, o meu não chega.

- Você podia começar fazendo uns sapatinhos!

- Você se esquece que eu também trabalho fora? Você teria tempo de fazer uns sapatinhos, ainda mais com náuseas e tudo?

Nasce o nenê.

- O nenê arrotou?

- O nenê já fez cocô de novo. Depois do banho, depois do hipoglós e talco. Tudo outra vez. E onde secar tanta fralda, neste ovo de apartamento? Sem área de serviço? O varal não chega.

- Será que o nenê está com febre?

- É da garganta?

- É preciso levar para a vacina, com essa chuva e frio de Curitiba.

O nenê cresce. Levar para a creche. Ir buscar na escola. Procurar revistas e jornais, para as tais pesquisas.

E haja dinheiro.

- Sabe o quê? Não dá mais certo.

Cada um para seu lado.

“Acabou-se o que era doce

Quem comeu arregalou-se

E quem não comeu

Danou-se.”