Fragmentos
HARMONIA (JAPÃO II)
Sofrer o insofrível e suportar o insuportável.
Imperador Hiroito
Harmonia – Wa, eu diria, se me fosse exigida uma única palavra para descrever a nação japonesa.
Um arquipélago que reúne 3.000 ilhas, com uma área 50% superior a do Estado de São Paulo, 70% ocupada por florestas montanhescas preservadas e uma população de 130 milhões de habitantes.
Um país sujeito a erupções vulcânicas, terremotos e furacões. Sem petróleo, ferro, carvão, cobre, alumínio ou quaisquer outros minerais essenciais à atividade industrial. Não tem solo arável suficiente para alimentar sua população. Em 1991, o consumo anual de arroz por habitante era de 68kg.
Ah! .... Tem japoneses, cerca de 300 por quilômetro quadrado, que trabalham, trabalham e trabalham. A escola primária é obrigatória e a secundária, não obrigatória, é frequentada por 95% da população na respectiva faixa etária. Uma moradia tem padrão de 70 metros quadrados e uma família possui de um a dois filhos.
A sustentação do desenvolvimento do povo japonês está embasada em vários pilares que delinearam sua cultura:
- O Samurai e sua espada, cujo símbolo expressa um modelo de homem ideal e responsável. Samurai (aquele que serve) é, entre os homens, o homem por excelência. O Samurai deveria ser um sábio em ação. Fosse na composição de um poema, na apreciação sensual de um quadro, na cerimônia do chá, ele deveria buscar a plenitude entre o corpo e o espírito. Contemplação e luta não se opõem. São formas de integração consigo próprio e com a realidade exterior.
- A casa real japonesa possui três símbolos, segundo a lenda: a joia, o espelho e a espada.
- As bases religiosas estão colocadas no xintoísmo nativo do Japão, um misto de mitologia telúrica e de pan-naturalismo; no budismo, originário da Índia, chegando ao Japão pela Coreia e pela China, que enfatiza a meditação e o autocontrole; e o confucionismo vindo da China, uma ética de estruturação e comportamento social.
- A síntese dessas bases religiosas volta-se para o domínio do corpo por meio do espírito e o desenvolvimento do espírito mediante a integração com o mundo, via exercícios físicos e conexão sensorial.
- O bushidô, o código de ética do samurai. Literalmente, bushidô significa “o caminho do guerreiro”, ou seja, o padrão ideal de comportamento do samurai. Um código de virtudes militares tais como lealdade ilimitada e incondicional, maestria nas armas, frugalidade, resistências às mais duras provas físicas e morais.
- Nippon-tô, a espada japonesa. A antropóloga Ruth Benedict atribui à espada o mesmo sentido da cruz para o ocidental. O objetivo simbólico que configura o modelo humanístico mais alto que o indivíduo pode aspirar.
Ambas apontam para o sentido comum da integridade, equidade, altruísmo, superação de misérias pessoais e incondicional aceitação de tudo que transcende e integra o indivíduo no universo humano e cósmico.
- Kabuki, o teatro mágico. É a forma mais recente das várias modalidades de teatro tradicional japonês: o kyogem (atos cômicos), o nô (drama bailado aristocrático) e o bansaku (teatro de marionetes).
- Ikebana, o arranjo de flores japonês, procura criar uma harmonia de construção linear, ritmo e cor. A estrutura do arranjo simboliza o céu, a terra e a humanidade.
- A cerimônia do chá, ou chanoyu, de maneira simples, seria a purificação da alma através da unificação com a natureza.
O verdadeiro espírito é a calma, a rusticidade, a graça e o “estetismo da simplicidade austera e da pobreza refinada. ”
Nem sequer falamos do sumô, dos origami, dos xogunatos, do furo-oke, das gueixas, dos riokam!
Todas essas acanhadas referências apenas revelam a dificuldade de se penetrar na alma japonesa, pela abrangência de sua cultura milenar, seus símbolos, seus diferentes códigos.
Ir ao Japão, como a qualquer país, requer preparo. Compreender a Harmonia oriental, o Wa, requer autoconhecimento, conhecimento e predisposição espiritual.
(Retirado da obra dito e feito, 1994).