Fragmentos
A ponte
(Dizem)
A ponte ligava as duas margens do rio Bonito para que nela pudesse passar, importante, o trem-de-ferro.
Mas, quem alá vinha, espiritado demais, era o negro bêbado Bastião Marcos.
- Um pé cá.
Outro lá.
Cai.
Não cai!
Pulando a ponta dos dormentes da ponte, separados em espaço de um largo passo, presos nos trilhos, sem proteção nenhuma, sem “corremão”, sem gradil.
Risco tremendo.
De vertigem.
Desequilíbrio.
Queda!
Mas o Bastião, levitando quase, vinha sem saber onde o caminho.
- Um pé cá
Outro lá
Cai
Não cai!
Tangido pela “Lei horizontal”, nunca fatal e pela temeridade que inculca n cuca a cachaça.
Ou, quem sabe?
Precavido a um esbarrão azarado, premeditado? Pois a tábua colocada entre-trilhos como frágil passarela, obedecia aos planos do “Arquiteto-da-roça”, no caminho do passa-um.
Pulando os dormentes na beirada da ponte comprida, espiritado demais, o Bastião.
Não fazia graça.
Levitando quase.
- Um pé cá.
Outro lá!
Cai.
Não cai!
Embaixo, borbulhando sereno, o rio passava devagar.
Bonito!
Mas, todo mundo sabia que o rio não era bom, o seu leito móvel escondendo crateras.
Meu sonho de menina era fazer igual ao Bastião.
- Um pé cá.
Outro lá!
Cai.
Não cai!
Sem medo.
Da margem nunca invejei o trem-de-ferro com seu grosso rolo de fumaça.
Simples brinquedo de menino!
Nunca invejei o velho, seu Frederico, com a sua bengala de prata.
Nunca invejei a algazarra das moças protegidas pela mão forte dos namorados.
Nunca invejei o fazendeiro Nestor com seu enorme cão-pastor, Galaô!
Todos, silhuetas recortadas fora dos meus sonhos.
Queria ousar!
Fazer igual ao Bastião.
- Um pé cá.
Outro lá!
Cai.
Não cai!
Sem medo!
Até hoje renego a minha grande covardia em nunca arriscar-me à aventura!
Em nunca arriscar-me ao perigo!
Pisando, vida à fora em frágeis tábuas entre-trilhos, em terra firme!
Caveira-de-burro
(Dizem)
Azar.
Ruina sem remédio traz “Caveira-de-burro” enterrada na soleira de qualquer porta.
- Isto, apregoa-se alto.
Com fanfarras!
Mas, teme-se calado.
Na porta da cozinha do Fazendão, Vasconcelos e o seu burro esperavam encher os jacás com as latas de rango para os colonos no cerrado, na várzea, no morro, no oitão.
Para carregar os jacás e o ódio.
Ódio lento, surdo, recalcado, de homem molengas que entrava no chicote.
- Servil
Denunciador barato.
Verme rastejante!
Cumprindo toda e qualquer ordem de Sô-Mané.
Bajulador.
Choramingão.
Mentiroso.
Vasconcelos só tinha uma qualidade:
- Amava o seu burro mais que menino ama cachorro, mais que homem quer mulher.
Mas, o burro do Vasconcelos era o oposto do dono.
- Não é sujice.
Burro dele, pertencido, de toda admiração, era o oposto do dono.
- Teimoso?
Mas que novidade!
O burro era burrão mesmo!
Empacava à-toa, sem atender rogo, reza, xingamento, ameaça, agrado, couro ou trovoada.
- Bichão ruim.
Emperrado, podia-se ler a força da embirrada dentro dos olhos vermelhos, vidrados!
Na baba que juntava, espumosa, nojenta, nos cantos da boca, machucada pelo freio.
- Bichão ruinzão.
De pensamento duro, arrevezado de vez.
- E, de alma negra!
Esta, exata irmã-gêmea de Só-Mané!
- Só-Mané.
Do nem sei onde aparecido de repente, babando feroz raiva pelo atraso do burro, empacado outra vez.
Vasconcelos tremia o corpo feito vara-verde, sem vez e sem prazo correto para explicar nada.
Empurrado contra o mourão da cerca, levantou-se branco que nem cera!
Estarreceu de todo, quando viu Sô-Mané, com acha de peroba, arrepiar caminho pra cima do seu burro.
- A parada entre os dois, foi dura!
O burro morreu a “pauladas”.
E, Sô-Mané, de “apoplexia!”
- Solertemente, Vasconcelos enterrou a “Caveira-do-burro” na soleira da porta do Casarão do Fazendão.
Enfiou o chapéu mole na cabeça e, livre, deu pé no mundo!
Mural
(Dizem)
A estação
A igreja
A pracinha
A ruazinha
Da vila
Antiga!
Empedrada
Em meu coração
Uma saudade
De tudo!