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Fragmentos ou textos na íntegra

AFINIDADE

 

Na imensidão da praia

há um bloco de granito,

solitário,

apontando o infinito.

Em suave carícia

uma alga – marinha o enlaçou.

Abraço eletivo.

Ao sopro da brisa o vegetal murmura

afinando a voz ao doce marulhar

das águas mansas.

Um dia, vagas impetuosas,

em doidos arremessos

lançam-se à praia

e arrebatam do granito a companheira...

Só então, o minério sente

sua condição de pária

Percebe o significado real do isolamento.

E, como antena prodigiosa

continua apontando o infinito

na ânsia indomável de captar mensagens...

Eflúvios de amor que se evolam

da alga-marinha – a rolar

e se debater – entre vagas e rochedos.

Mas, lá, nas alturas,

enquanto a planta fenece...

eleva-se um clarão de luz sideral!

Sons magníficos alçam-se aos ares...

A antena vibra!

E a alma da pedra canta – em surdina

- a mesma canção da alga-marinha.”

 

                São dramas angustiantes...

 

                                     I

     Na redação de "O IMPARCIAL: - Que teria acontecido a Zilda? Vem tão vagarosa... Pensativa.

     _ Com certeza barraram-lhe a entrada. Nada arranjou.

     _ Será? E, como vai encher a coluna do jornal?

     _ Isso é com ela. Terá que usar a imaginação.

     _ É o que não lhe falta.

     _ Boa tarde.

     _ Boa tarde, Zilda.

     _ Boa tarde.

     _ Olhe que a coisa é séria. Nem nos deu confiança.

        Cumprimentou e foi passando.

     _ Puxa! Já está escrevendo! E a máquina parece uma metralhadora em ação.

     _ Como as aparências enganam! Assunto -- é o que não falta.

     _ Erramos completamente.

     _ Oh, Zilda: Estou vendo que conseguiu matéria para o seu artigo.

     _ Se consegui... Para um artigo só, não. Para uma obra inteira terei assunto. Você não imagina, Rodrigo. É a estória das criaturas com dor, sangue e gemidos. É o drama angustiante de vidas que se arrastam inadvertidas, de erro em erro até o crime. É o desespero dos que se compadecem da extrema degradação física e mental de seus parentes e amigos. Eu vi tudo isso! Vi a fila mais triste que se pode imaginar. A fila que fica à frente da Penitenciária para visitar os presos. Criaturas com aspecto de farrapos humanos. Nunca compreendi tão bem como hoje que o aprumo do corpo depende da disposição moral. O corpo abatido é o reflexo lógico da alma esmagada.

     Essa visita foi, para mim, um grande momento em minha carreira jornalística. Sou, de agora em diante, uma criatura mais vivída, mais experiente.

     Como se fizeram minhas _ aquelas experiências!

     Como me desdobrei naquelas almas! Como amei profundamente aqueles sêres acabrunhados!

     _ Você pretende voltar lá?

     _ Pretendo, Clemente. Preciso.                                                                                                                                         Hei de visitá-los sempre. Quero fazer alguma coisa meritória por essas criaturas que vivem à margem da sociedade, que _ podemos dizer _ nasceram condenadas.

     Sim. Porque _ se pesquisarmos _ veremos que os delinquentes, em sua maioria, formaram a mentalidade em ambientes asfixiantes para a virtude, propícios ao erro.

     Pretendo estudar o meio onde cresceram e as determinantes do crime.

     Se os atuais condenados não se beneficiarem com tais estudos, pelo menos às gerações futuras poderão ser úteis as observações.

     Sinto a tropelia das ideias como se fôssem avalanches.

     Nem sei por onde começar...

     Sei, apenas, que preciso agir.

     Ouvi o toque de alerta.

     Ouvi o clarim e devo fazê-lo repercutir em todos os corações.

     (Capítulo retirado da obra A Fila Triste ... ...nas prisões, 1971)