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Fragmentos

intuition

Sempre que eu começava a gostar de alguém, alguma coisa me dizia pra deixar os esforços de lado. 

O tal amor não vale a pena. Não vá às penas, babe - dizia minha intuição aguçada. 

Todas as possibilidades de felicidade ficaram em algum canto empoeirado do passado. Desde então, tornei-me viajante do tempo e as palavras não me alcançam mais. Sei, antes de qualquer indício, quando algo vai dar errado. Aprendi a enxergar o que existe por trás das aparências, além do que se mostra.

Não me diga o que fazer, não tente me convencer. Tenho o sexto sentido de almas mudas.

Por isso, meu bem, não diga nada.

Aprenda a se fazer satisfeito com o que pode sentir.

(http://www.escritorassuicidas.com.br/edicao19_4.htm#samanthaabreu19)

        

(des) confiança 

Antonia era a melhor vendedora da loja. Sabia adivinhar o que as pessoas desejavam. Acertava na mosca, sempre. Uma vez, vendeu um aparelho de barbear para uma senhora que queria limpar o tapete peludo que tinha na sala. Conseguiu convencê-la de que cortar rente ao chão era a solução.

Tinha ótimos resultados em concursos e provas, porque conseguia pressentir o que ia cair. Estudava só o que interessava à sua intuição aguçada. Além disso, sempre sabia de grandes possibilidades para números de loteria, já tinha virado consultora para assuntos de sorte e azar. As pessoas ficam pasmas: "Ela não erra uma. Deve ser mediúnica". Mas Antonia não ligava muito para essas coisas.

Um dia, chegou em casa mais cedo do trabalho e o encontrou lá, suado, debaixo do corpo de outra mulher. O susto foi tão grande que, sem pensar duas vezes, enfiou-lhe a faca de pão nas costas. 

Posso não ter previsto, mas cega eu não sou!

(http://www.escritorassuicidas.com.br/edicao19_4.htm#samanthaabreu19)

 

Armadura moderna

A força da vida dói.
Ela acorda cedo, os olhos inchados. Ao se levantar, sente os pés arderem no chão gelado. Em cada passo até o banheiro seu corpo estremece e sua frio: o desespero lhe explode os poros, a vida amanhece e a joga em um cotidiano febril.
Não quer mais essa rotina de mulher moderna cheia de afazeres. Deseja apenas sua cama e suas tarefas domésticas realizáveis. Sob o chuveiro, imagina que a água leva pelo ralo toda sua revolta pelo despertar do dia. Ao banho foi entregue o cargo de filtro entre sua vontade de permanecer dona de casa e a necessidade de se jogar à vida que a espera na rua.
Ela resiste, mas depois de lavada com água e espuma, veste-se com o tal empreendedorismo feminino e finge satisfação o dia todo.
Tudo recomeça à noite.

(http://versosdefalopio.blogspot.com.br/2009/01/armadura-moderna-por-samantha-abreu.html)