Fragmentos

Mataram João Ninguém

(A queda para o alto)


Quando o próximo sangue jorrar
daquele por quem ninguém irá chorar,
daquele que não deixará nada para se lembrar
daquele em quem ninguém quis acreditar.
Quando seus olhos só puderem fitar o escuro
quando seu corpo já estiver inerte, frio e duro,
quando todos perceberem morto João Ninguém
e quando longe de todos ele será seu próprio alguém.
Tantas mãos, tantas linhas incertas,
tantas vidas cobertas, sem ninguém pra sentir,
Tantas dores, tantas noites desertas
tantas mãos entreabertas, sem ninguém pra acudir.
Qualquer dia vou despir-me da luta
pisar em coisas brutas, sem me arrepender.
Tão difícil ver a vida assassinada
quando estamos já tontos pra tentar sobreviver.
As perguntas sem respostas, sem nada, 
as vidas curtas e desamparadas
o último grito que não foi ouvido
calaram mais um homem iludido.
E no mundo não dão mais argumentos
pra fugir aos lamentos
De quem sozinho falece.
de quem sozinho falece.
Para esses, não há mais compreensão,
não há mais permissão, para que se tropece.
Na televisão, o aguardo da cotação
um instante ocupado, para dizer morto João Ninguém
mas a aflição ataca, a cotação subiu ou caiu?
e João morreu... ninguém ouviu.
Eu vou distribuir panfletos,
dizendo que João morreu
talvez alguém se recorde
do João que falo eu.
Falo daquele mendigo que somos
pelo menos em matéria de amor,
daquele amor que esquecemos de cultivar
o qual com tanto dinheiro, ninguém jamais coroou. 

 

Fiz de minha vida um enorme palco sem atores,
para a peça em cartaz sem ninguém para aplaudir
este meu pranto que vai pingando
e uma poça no palco se faz.

Palco triste é meu mundo desabitado
solitário me apresenta como um astro
astro que chora, ri e se curva à derrota
e derrotado muito mais astro me faço.

Todo mundo reparou no meu olhar triste
mas todo mundo estava cansado de ver isso
e todo mundo se esqueceu de minha estreia
pois todo mundo tinha um outro compromisso.

Mas um dia meu palco, escuro, continuou
e muita gente curiosa veio me ver
viram no palco um corpo já estendido
eram meus fãs que vieram pra me ver morrer.

Esta noite foi a noite em que virei astro
a multidão estava lá, atenta como eu queria
suspirei eterna e vitoriosamente
pois ali o personagem nascia e eu,
ator do mundo, com minha solidão… morria!