Adélia Woellner por ela mesma
- Quando você quis ser escritora?
Ao ouvir, pela primeira vez, esta pergunta, formulada por uma das crianças da sala de aula que eu visitava, fui induzida a refletir. Nunca havia pensado sobre isso. Simplesmente, escrevia, por impulso, por necessidade, por prazer...
Depois dessa vez, em tantas outras a pergunta vem sendo repetida. Interessante essa curiosidade das crianças. É como se eu pudesse dar, a elas, a indicação do momento em que a criação literária se manifesta.
Conto a elas, então, como aconteceu, em mim, a magia da descoberta da poesia.
Foi assim, como relatei no meu livro “Luzes no Espelho”:
É aula de Latim. Monsenhor Jerônimo Mazzarotto entra na sala de aula, sisudo, impenetrável, como sempre. Faz a chamada.
Maria da Luz ocupa a carteira ao meu lado. Levanta a mão e pede permissão para ler uma poesia que fizera para Nossa Senhora.
Alguma coisa diferente atiça meu peito. Acompanho a leitura, absorvida pela beleza daquilo que ela lê.
Monsenhor Mazzarotto elogia o poema. Ninguém sabia que a Maria da Luz gostava de escrever. E nem eu imaginava que “uma de nós”, comum, menina do dia a dia, fosse capaz de criar alguma coisa.
(...) Maria da Luz é, porém, simples aluna, como eu.
No intervalo das aulas, pergunto a Maria da Luz se foi ela mesma que escreveu o poema. Ela confirma. Diz que é um soneto. Eu não entendo o que seja. Só sei que gosto. Pergunto a ela como se escreve um poema. Ela me olha admirada e responde, com ar de surpresa: “escrevendo, ora”.
Assim começo a escrever.
A poesia passa a ser minha confidente, meu alívio, a luz que me desvenda caminhos...
Apaixono-me pela poesia. É minha companheira, alma gêmea.
O assunto aflora, as palavras surgem aos poucos ou aos borbotões. Planto imagens no papel. Quantas vezes, tudo pronto, me surpreendo. Essa sou eu?
Que fascinação! Hoje nem consigo imaginar o sentimento que me tomava ao ver surgirem, no papel, letras, palavras e versos, tomando alguma forma...
Nunca mais parei de escrever.
Alguns anos mais tarde, uma vez mais, alguém cruzou meu caminho. No local de trabalho, outro poeta, que me apresentou ao seu amigo, também escritor. Recebi o estímulo para publicar um livro.
Parecia impossível. Salário pequeno. Fiz empréstimo, comprei o papel necessário; um companheiro de escritório criou a capa, gratuitamente, e mandei fazer o clichê para impressão do desenho; na então Escola Técnica, o livro foi editado, como aula prática dos alunos do curso de formação de impressores.
Era 1963. Nascia meu primeiro livro: Balada do Amor que se Foi.
Na sequência, vieram outros, de poemas: Nhanduti (1964); Poesia Trilógica (1972); Encontro Maior (1982); Avesso Meu...(1990 e 1991); Infinito em Mim... (1997 e 2000); Sons do Silêncio (2004); Tempo de Escolhas (2013).
No ano de 2002, a prosa me provocou. Na encruzilhada da literatura, novos caminhos, importantes para meu encontro comigo mesma, meus anseios e desafios, minhas provocações.
Concomitantemente escrevia “Luzes no Espelho - memórias do corpo e da emoção”, autobiográfico, e “Para onde vão as andorinhas...”, retrato histórico e afetivo dos meus antepassados (as famílias Woellner, Andretta, Joslin e Valle, no Paraná). Deste último, destaquei o poema que fazia parte do capítulo “Joslin-Valle” e (mais um amigo aqui apareceu, dando a sugestão) e publiquei o meu primeiro livro infantil: “Férias no Sítio”, ilustrado por meu sobrinho neto Raphael Furtado Casagrande que, na época, tinha, apenas, oito anos de idade.
Descobrir a literatura infantil foi como entrar em um espaço ilimitado de sensações inimaginadas.
Tenho afirmado que nesta fase da terceira idade (acabo de completar 74 anos), parece que estou recuperando o tempo não aproveitado na infância, pela exigência de ter começado a trabalhar muito cedo, perto dos nove anos de idade. A criança que permaneceu em mim, adormecida, de repente acordou e as histórias se sucederam, me surpreendendo, colorindo as emoções.
Após o segundo livro, ”A menina que morava no arco-íris” (enredo que foi adaptado para teatro de bonecos), vieram “A menina do vestido de fitas” (para colorir), “A água que mudou de nome”, “Festa na cozinha – bom apetite”, “Vida livre – a história do papagaio-de-cara-roxa”, “Coleção Tagarela (com cinco volumes: “A casa de cristal”, “A menina do pastoreio”, A natureza das coisas... é assim, porque é assim”, “No céu e no mar”, “O reino das águas azuis”). Esses livros todos tiveram ilustrações de Heliana Grudzien, à exceção do Vida Livre, em que a participação foi da ilustradora americana Kitty Harvill.
São estes livros que me têm transportado ao encantamento com as crianças que, espontâneas e autênticas, me levam a mergulhar no meu universo interior, para poder desvelar sentimentos e compartilhar experiências muitas vezes vividas sem a real percepção e compreensão.
Conviver com a naturalidade das crianças me permitiu libertar-me das formas rígidas e, de repente, sem premeditação, escrevi crônicas em estilo que, até então, nem pensava produzir. Surgiu, assim, o pequeno livro “Loucura Lúcida”.
Outra experiência interessante me foi facultada com a coleção “Valores Humanos”, produzida para a Expressão Editora, com textos em coautoria com Heliana Grudzien, que também foi a responsável pelas mais de quinhentas ilustrações. Composta por doze volumes, contempla vinte e sete valores fundamentais para a formação da criança, transmitidos por meio de exemplos vivenciados diariamente: “Amizade e Companheirismo”, “Boas maneiras e Cidadania”, “Conhecimento e Sabedoria”, Coragem e Liderança”, “Criatividade, Prosperidade e Sucesso”, “Ecologia e Meio Ambiente”, “Gratidão e Humildade”, “Higiene, Ordem e Saúde”, “Honestidade e Responsabilidade”, “Respeito e Obediência”, “Solidariedade e Cooperação”, “Tolerância, Diálogo e Paz”.
A cada tema, em cada história, a cada livro, mais um pouco da vida se enriquece com novas descobertas e aprendizado. É como se eu conseguisse me apresentar para alguém em mim que eu ainda não conhecia; alguém capaz de ficar enlevada com as atrações e mistérios que cada dia oferece em espantos e poesia, que se revelam nesta releitura da vida, em vivências simbólicas que recriam atos e fatos, envolvendo-os com a magia do sonho, deixando fluir, sem restrições, a imaginação.
Como já afirmei, certa vez, é com a literatura, com a poesia, que descobri que a emoção libertada liberta, também, o corpo, deixando-o menos tenso, mais flexível, mais leve...